Possibilidade de produção de trens na China gera críticas e levanta debate sobre soberania industrial brasileira







Por André Guterres - Info do Vale

Em meio ao anúncio de novos memorandos entre Brasil e China prevendo a produção de trens no país asiático, duas das mais representativas entidades do setor ferroviário nacional, ABIFER (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária) e SIMEFRE (Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários), vieram a público com uma nota conjunta que ecoa uma preocupação legítima e estratégica: o enfraquecimento da indústria ferroviária nacional diante de decisões que privilegiam a importação em detrimento da produção local.

A iniciativa de cooperação bilateral é, sem dúvida, relevante do ponto de vista geopolítico. A China, por meio de investimentos robustos como o do Porto de Chancay, no Peru, tem consolidado sua presença na infraestrutura da América do Sul, mirando corredores de exportação que atravessam o continente até o Atlântico. O Brasil, por sua vez, se beneficia da perspectiva de atrair capital estrangeiro para um setor historicamente negligenciado: a malha ferroviária. No entanto, a questão que se impõe vai além dos trilhos e locomotivas, ela toca diretamente na soberania produtiva e na valorização do parque industrial brasileiro.

A nota assinada por Vicente Abate, presidente da ABIFER, e Massimo Giavina, vice-presidente do SIMEFRE, destaca com veemência que “não há vácuo na indústria nacional a ser ocupado”. E com razão. O setor ferroviário brasileiro possui capacidade instalada, histórico de inovação e mão de obra qualificada. Se por anos conviveu com a ociosidade e a escassez de encomendas, foi justamente por falta de políticas públicas consistentes que enxergassem a indústria como vetor estratégico de desenvolvimento.

Ao optar por fabricar os trens na China, o Brasil abre mão de uma oportunidade concreta de gerar empregos, fomentar a cadeia produtiva local, desenvolver tecnologia e aumentar a competitividade nacional. Trata-se, em outras palavras, de abdicar de um ativo valioso em nome de uma solução que, embora mais rápida ou aparentemente mais barata, pode custar caro no médio e longo prazo.

Não se trata de fechar as portas ao investimento estrangeiro, pelo contrário. O Brasil precisa da China como parceiro, mas não como substituto. Uma parceria sólida deve contemplar a transferência de tecnologia, o uso da infraestrutura brasileira e o fortalecimento de empresas nacionais. Afinal, desenvolvimento sustentável passa, obrigatoriamente, pela valorização da indústria instalada no país.

Por trás das falas entusiasmadas de ministros e do otimismo com os projetos de integração continental, permanece uma pergunta incômoda, mas essencial: qual será o papel do Brasil nessa engrenagem? Seremos apenas consumidores e fornecedores de matéria-prima ou protagonistas de uma transformação industrial que gera valor dentro das nossas fronteiras?

Valorizar a indústria ferroviária brasileira não é apenas uma escolha econômica,é uma decisão estratégica. Em um mundo cada vez mais multipolar, o fortalecimento da indústria nacional é também uma questão de segurança, autonomia e visão de futuro.

A locomotiva do progresso não pode seguir viagem deixando para trás os trilhos da indústria nacional.



Leia a nota em conjunto abaixo:


Nota conjunta SIMEFRE e ABIFER

A ABIFER - Associação Brasileira da Indústria Ferroviária e o SIMEFRE - Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários vêm a público manifestar profunda indignação em relação à recente matéria que anuncia uma parceria entre os governos brasileiro e chinês para a produção de trens na China. Embora a cooperação internacional seja essencial em muitos setores, é imprescindível que o Brasil priorize e valorize sua própria indústria ferroviária, que possui um sólido histórico de qualidade, inovação e capacidade produtiva.

A indústria ferroviária instalada no país é um pilar fundamental para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, com um potencial imenso para gerar empregos, fomentar a tecnologia local e promover a sustentabilidade.

Não há vácuo na indústria nacional a ser ocupado, ao contrário, quem arcou com estes elevadíssimos índices de ociosidade pela inconstância de pedidos, fomos nós, indústria ferroviária. O Estado brasileiro precisa zelar por nossas capacidades e garantir a geração de emprego e renda aos brasileiros.

Valorizar a indústria nacional é investir no presente e no futuro do Brasil. É hora de olhar para o que temos de melhor e construir um caminho sustentável para as nossas ferrovias.


Vicente Abate

Presidente da ABIFER


Massimo Giavina

1º Vice-presidente do SIMEFRE

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